COMO A POLÍTICA INFLUENCIA A MODA

Diogo Paiva
By Diogo Paiva
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Os reflexos de um tempo são vistos em uma moda que se posiciona a todo momento

Moda não é só tendência e consumo, ou simplesmente roupa. Moda é também o reflexo comportamental de um certo período. Assim, a moda diz muito sobre uma sociedade e o seu momento cultural, econômico e político, por isso, moda é história, presente e futuro.

Em entrevista, o professor de história da moda João Braga nos apresenta a moda como uma expressão cultural que dialoga com todas as áreas de sociedade, da política até a religião. E por isso, há sempre uma interface com o Zeitgeist do tempo, ou seja, espírito da época em que vivemos.

Então, se a moda pode representar um posicionamento político, esse substantivo feminino que engloba muitas percepções tem papel de militância? A resposta é subjetiva, depende da inspiração, contexto e da mensagem que se deseja transmitir. Mas, em muitas ocasiões as vitrines e passarelas foram palco de manifestações.

O que escolhemos vestir diz muito sobre quem somos, o que acreditamos e as mensagens que queremos passar. “As roupas não falam, mas comunicam uma série de referências”, comenta o professor João Braga. E completa dizendo que a moda assume formas de comunicação, em uma linguagem não verbal.

Em 2019, a atriz Mariana Ximenes foi além da afirmação social, e usou da moda para protestar. No Festival do Rio, a atriz usou um vestido estampado com cartazes de filmes brasileiros, isso após a agência reguladora da indústria cinematográfica mandar retirar os cartazes de sua sede e do site. Por meio das roupas, Mariana deixou claro o seu descontentamento com a ação, e todos os problemas enfrentados relação a Ancine e os vetos que o governo promove.

Outra mulher que vem alinhado moda e posicionamento é Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. A democrata incorporou o uso de máscaras de proteção contra o COVID-19, combinando com as roupas, para conscientizar a população e reforçar sua política de prevenção a pandemia.

As roupas da monarquia

Fazendo uma digressão para as sociedades monárquicas dos séculos 16 e 18, temos o surgimento da moda, quando a nobreza queria se diferenciar e a burguesia começa a copiar o modo de se vestir, reforçando políticas de poder e garantindo status a corte. Para a nobreza, estar bem vestido com adornos luxuosos, roupas volumosas e as cores de difícil tingimento, o vermelho e o roxo, que se associa a realiza e ao clero, significa expor seu poder.

É o que vemos no filme Maria Antonieta, com figurinos que representam a soberania da corte, no filme a diferenciação fica clara nas roupas e nas comidas. Sendo assim, um ato político, afinal as roupas determinam o pertencimento a um grupo, e dessa forma reforçam os códigos de vestimentas que separam visualmente e simbolicamente a monarquia da plebe, seria como um lifestlyle para os dias de hoje.

Políticas populistas
Agora, pensando em uma política do século 19 em diante, o populismo é um conjunto de práticas, individuais, de um único político ou a conduta de um partido, que tem como principal foco o apelo ao “povo”, nesse caso a ideia de uma sociedade de massa e homogênea, e em contraponto vemos a “elite”. Assim, aproximação popular acontece por meio de uma série de formações estéticas, que contemplam a linguagem verbal e visual.

É nesse cenário que vemos o ex-presidente Lula vestindo o uniforme dos petroleiros, ou o atual governador de São Paulo, João Doria, vestido de gari. Essa mesma construção de imagem acontece quando o presidente Jair Bolsonaro aparece usando camisetas de futebol, ternos mal cortados e chinelos. São escolhas que colaboram para o afastamento do imaginário popular de uma política tradicional, com o objetivo de se aproximar das classes médias.

Por uma moda politizada
Sabemos que nossas roupas dizem muito sobre os grupos que pertencemos e revelam traços da sociedade, e por consequência dos momentos políticos e econômicos. Mas em muitos casos a moda vai além, estamos falando de moda enquanto expressão cultural, que mostra as dores e prazeres de uma sociedade.

Assim, com frequência vemos desfiles em que as roupas dão lugar as lutas sociais, fazem denúncias e críticas, seja a um comportamento ou governo. É nesse contexto que muitas marcas e estilistas revelam os seus valores, junto aos holofotes das passarelas.

Os desfiles de Ronaldo Fraga

Um dos principais nomes nacionais quando se fala da atuação política da moda, é do mineiro Ronaldo Fraga. Na última semana de moda em São Paulo, o estilista apresentou uma coleção inspirada no quadro “Guerra e paz” de Candido Portinari, e um casting de modelos negros. Algumas peças estampavam a ex-vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros em março de 2018, com um alvo na testa e círculos vermelhos representando sangue.

A homenagem e protesto gerou debates nas redes, além de um mal estar com a família da vereadora, que não sabia sobre a coleção. Na época, a irmã de Marielle, Anielle Franco, declarou que se sentiu incomodada ao ver o desfile. E assim chegamos a um questionamento, integrar pessoas negras as equipes criativas e na produção do SPFW, não seria uma forma mais efetiva de combater o racismo?

Esse não foi o único desfile com cunho político de Ronaldo Fraga, em 2016 ele apresentou a coleção “O corpo aprisiona, as roupas libertam”, com modelos transgêneros na passarela e o debate sobre a realidade em que muitas pessoas não se encontram em seus próprios corpos, e buscam refúgio nas roupas.

Já na 45º edição do SPFW o estilista recortou a tragédia do rompimento da barragem em Mariana. O desfile com tons terrosos, manchas marrons, remetendo lama, e peças de linho bordadas por artesãs de Barra Longa, recordou a memória dos atingidos pelo desastre, e levou à tona o desastre ambiental ocasionado e as perdas culturais.

Não podemos negar que Ronaldo Fraga traz para a cena da moda debates importantes, que muitas vezes a elite que frequenta esses eventos não se questiona, como o caso do racismo e a transfobia. O que será que o estilista está preparando, no atual cenário de mortes devido a pandemia e a ineficiência das políticas públicas.

A resistência à ditadura brasileira

Não podemos falar de moda em períodos de governos autoritários sem mencionar Zuzu Angel, a estilista brasileira é um dos grandes nomes da resistência à ditadura, e ficou conhecida por seus atos após a morte do filho, Stuart Angel, militante do MR-8 – dados comprovam que o rapaz foi torturado e assassinado.

A partir desse momento, Zuzu vestiu-se de luto, e passou a buscar informações sobre o seu filho, denunciando os crimes praticados pela ditadura à impressa e órgãos internacionais. Em 1971, a estilista apresentou um desfile protesto nos Estados Unidos, as criações expressam a tortura e terror vivenciados durante a ditadura, com estampas de tanques de guerra e pássaros engaiolados.

A sua morte em 1976 foi noticiada como um acidente automobilístico, em um túnel no Rio de Janeiro. Entretanto, na última semana, mais de 40 anos depois, a justiça reconheceu a responsabilidade de agentes da ditadura militar no assassinato de Zuzu Angel.

Ao falar sobre o aspecto de comunicação não verbal da moda, o professor de história da moda, João Braga, menciona como a identificação desse diálogo é clara quando Zuzu Angel, ou até mesmo Ronaldo Fraga, denunciam situações de ordem política em suas coleções.

Reflexo da sociedade e dos tempos, a moda pode revelar dias sombrios e figuras de intenções questionáveis. Por isso é importante estar atento a moda que consumimos e defendendo, é preciso ser crítico.

Assim, cabe ao consumidor e apreciador da moda observar quais são as marcas alinhadas aos seus ideais, quais são os nomes de uma moda justa, inclusiva e que proporciona visibilidade a causas importantes.

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