Nos bastidores da liderança feminina

Diogo Paiva
By Diogo Paiva
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Nas primeiras vezes em que assumi posições de liderança, eu era muito insegura. Ficava constrangida em falar com o meu time, tinha medo de não preparar direito as reuniões e desperdiçar o tempo deles. Eu ainda não sabia que existia a síndrome do impostor, mas agia como uma impostora. Achava que, para que as reuniões com potencial para gerar negócios dessem certo, eu tinha que levar um homem comigo. Priorizava os profissionais masculinos nessas reuniões, porque imaginava que dessa maneira transmitiria mais segurança aos parceiros e conseguiria fechar o acordo. Também dava preferência a eles porque assumia que teriam mais disponibilidade que as mulheres – elas, como eu, tinham que gerenciar não só o trabalho, mas o cuidado com a casa e os filhos. Na época, não passava pela minha cabeça que estivesse fazendo algo errado.

Existem duas razões que explicam essas minhas atitudes. Em primeiro lugar, cresci na Guatemala, um país que não estava tão adiantado quanto o Brasil no tema do empoderamento feminino. Sou parte de uma geração de mulheres criadas por mães que ficaram em casa, e para as quais a maior realização era replicar o que suas próprias mães haviam feito: casar-se bem e cuidar da casa e dos filhos. Apesar de estar casada com um brasileiro e já morar havia muitos anos no Brasil, essa ficha ainda não tinha caído para mim na época. Achava que a presença de um homem sempre transmitiria mais credibilidade.

A segunda razão é que eu quase só tinha trabalhado em ambientes corporativos saudáveis e protegidos, e sempre com líderes do sexo masculino. Por terem sido cargos menores, e por eu ainda ser muito jovem, não tinha percebido que questões mais sérias estavam em jogo. A maioria dos líderes para os quais eu tive a sorte e o privilégio de reportar foram muito generosos e visionários, e influenciaram de maneira decisiva o meu estilo de liderança. Eles trabalhavam na base da confiança e do bem-estar, dando a maior autonomia possível para os funcionários.

Por conta desse passado, demorei para perceber como eu, uma líder mulher, havia tomado atitudes muito equivocadas. Compartilho agora esses pensamentos porque recentemente chegaram a mim histórias de executivas que mostram o que está acontecendo nos bastidores de algumas lideranças. Gosto de pensar que não se trata de algo generalizado. Mesmo assim, as histórias preocupam.

“Estou sofrendo de bruxismo e não estou conseguindo dormir. Viro noites e fins de semana para entregar o que está sendo exigido.” – Jovem muito bem-sucedida de trinta e poucos anos que trabalha para uma grande grife, e que muitos headhunters gostariam de ter como modelo de excelência entre seus candidatos

“Recebi um feedback por escrito e registrado no sistema da empresa, dizendo que eu deveria sorrir mais e ser mais amigável durante o cafezinho.” – Outra jovem com um currículo impecável

“Comecei a passar muito mal quando vi que, apesar das provas que tínhamos levantando para comprovar o assédio sexual, o líder ainda perguntou se queríamos mesmo que o diretor fosse desligado da empresa.” – Executiva tentando fazer a diferença numa empresa

“Estou convencida que me usam como uma boneca nas reuniões com os investidores, para mostrar que existe uma mulher no quadro de sócios.” – Jovem empreendedora

“Quero resgatar a minha feminilidade. Sinto que, que conforme cresço na carreira, tenho masculinizado meu jeito de ser.” – Jovem com um currículo invejável, que conseguiria trabalho em qualquer lugar

Talvez essas histórias cheguem até mim porque decidi trabalhar com transformação de mindset e cultura nas empresas. E porque sempre tentei ser muito honesta nas minhas colocações. Desde que recebi o primeiro convite para palestrar, a escritora em mim procurou, dentro das minhas limitações pessoais, jogar luz sobre esse tipo de questão. E mostrar como a síndrome do ‘Look at me’/’Veja como eu sou legal’, da qual todos padecemos um pouco, pode ser prejudicial para o bem-estar do coletivo. Tentar ser mais vulnerável e transparente é um ato de solidariedade para com o nosso ecossistema, porque abre espaço para outros tirarem suas máscaras, e dessa maneira construir o tão falado ambiente de segurança psicológica.

Lembro dos primeiros feedbacks que recebi quando compartilhei minhas experiências com burnout publicamente. “Mas você não está preocupada com como isso vai afetar sua carreira? Quanta generosidade se expor desse jeito!” Percebo que os brasileiros se preocupam muito com a questão da exposição: nas conversas, são muitas as vezes em que a minha ‘coragem em me expor ‘é mencionada. Mas talvez não seja algo cultural do Brasil, e sim algo do contexto corporativo em que circulo. O que eu sei é que funcionários não engajados têm uma chance muito maior de sofrerem com burnout e depressão.

Correndo o risco de me expor mais ainda, posso dizer que, nas poucas vezes em que trabalhei para lideranças femininas, não tive uma experiência inspiradora. Não acredito que isso se deva apenas ao gênero, mas também ao momento que estamos vivendo. Um dos jovens mais visionários que conheço me disse recentemente: “Estamos conseguindo ter mais mulheres em posições de liderança, mas poucas delas estão realmente questionando o modelo operacional existente.”

Eu fui uma dessas líderes, achando que estava ajudando na transformação de empresas quando na verdade replicava um padrão muito enraizado. Sendo mais sincera ainda, devo dizer que muitas vezes agia com um rancor disfarçado, pensando: “Por que vou tornar as coisas mais fáceis para ela, quando ela teve e continua tendo uma vida muito mais tranquila que a minha?”. Como diz Warner Erhardt, a maioria de nós é movida pelo que não sabemos que não sabemos sobre nós mesmos. É por isso que acredito tanto no poder da palavra, da busca do autoconhecimento e do conhecimento dos outros. Creio que todo esse trabalho interior muda a qualidade do trabalho exterior que fazemos.

Se entendemos o que este lindo provérbio esquimó tenta transmitir, talvez o ato de nos expormos possa se tornar mais natural: “As palavras rotulam as coisas que já estão lá. São como a ferramenta de um escultor: libertam a ideia, o objeto, a partir da ausência de forma na matéria bruta. Quando um homem fala, não é só a sua linguagem que está em processo de constante renascimento, mas a própria matéria sobre a qual ele está falando.”

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